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Entre Arábia Saudita e Noruega, Brasil precisa de um rumo para a política de petróleo


Entre Arábia Saudita e Noruega, Brasil precisa de um rumo para a política de petróleo Entre Arábia Saudita e Noruega, Brasil precisa de um rumo para a política de petróleo

Existem muitas narrativas ao redor dos preços dos combustíveis no Brasil, antagônicas, politizadas e fortemente ideológicas.

Algumas delas defendem que a Petrobras deve ser utilizada para oferecer combustíveis mais baratos, uma vez que a Cia é estatal, grande produtora de petróleo e com a quase totalidade da capacidade de refino no país.

A esta narrativa pode-se intitular de o “Brasil-Arábia Saudita”.

Outra vertente fomenta que a Petrobras deve operar em mercado aberto, com um modelo de governança privado, que ela não deve fazer subsídios e que o melhor retorno social é o lucro gerado pela empresa e pelo ambiente competitivo.

Esta é a narrativa do “Brasil-Noruega”. A real condição do Brasil, apesar de encontrar pontos em comum com os dois países citados, é muito diferente, observe.

A Arábia Saudita
O desértico país do Oriente Médio, governado por uma monarquia absolutista, possui uma população próxima dos 34 milhões de habitantes e tem a exportação de petróleo como a principal atividade econômica no país.

Suas reservas de petróleo provadas são de quase 300 bilhões de barris, a segunda maior do mundo.

A produção média de petróleo saudita nos últimos cinco anos foi de 12 milhões de barris por dia (bpd), enquanto o consumo se situou em 3,8 milhões de bpd no mesmo período (consumo per capta de 40,8 barris).

Com uma produção três vezes superior consumo, operando em mercado fechado, onde a estatal Saudi Aramco coordena a produção e o refino de petróleo do país, os preços dos derivados são subsidiados pelo Governo.

Um comparativo de preços da gasolina e do diesel entre o Brasil e a Arábia Saudita pode ser observado no Quadro 1 a seguir.

Um dado interessante é que a capacidade de refino da Arábia Saudita, segundo dados da BP Statistical Review, estava em 2,8 milhões de bpd em 2019, enquanto o consumo de derivados era de 3,8 milhões de bpd.

Ao mesmo tempo, a Saudi Aramco possuía 6,4 milhões de bpd em capacidade instalada, isto é, a maior parte da capacidade instalada está fora da Arábia Saudita, tornando o reino saudita um importador líquido de pouco mais 1,0 milhão de bpd derivados de petróleo.

Tal situação pode parecer estranha para o segundo maior produtor de petróleo do mundo, mas é parte da estratégia dos sauditas para vender o petróleo deles mundo afora.

Constroem refinarias e centrais petroquímicas em outros países para utilizarem o óleo saudita, importando parte dos derivados produzidos por estas unidades de refino. Perde-se na margem de refino e logística, mas ganha-se em mercado.

A Noruega
O pequeno país escandinavo, uma democracia parlamentarista, possui uma população de pouco mais de 5 milhões de habitantes e tem a exportação de petróleo e gás como atividade relevante na economia, mas com uma pauta de exportações muito mais diversificada do que Arábia Saudita.

As reservas de petróleo provadas da Noruega são de aproximadamente 8 bilhões de barris.

A produção média de petróleo na Noruega nos últimos cinco anos foi de 1,9 milhão de barris por dia (bpd), enquanto o consumo se situou em 0,2 milhões de bpd no mesmo período (consumo per capta de 14,6 barris).

O mercado de petróleo norueguês possui uma produção nove vezes superior ao consumo, operando em mercado aberto, com grande participação das estatais Equinor e Petoro, que coordenam os investimentos e participações em produção de óleo e gás no país.

Ao contrário do que ocorre na Arábia Saudita, os preços dos combustíveis não são subsidiados na Noruega, sendo eles, inclusive, fortemente taxados pelo Governo norueguês.

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Os recursos advindos da exploração e produção de petróleo compõem um fundo soberano, que hoje já acumula mais de 1 trilhão de dólares em recursos, com investimentos em variadas áreas.

A ideia é que a riqueza gerada pelo petróleo seja utilizada por gerações futuras, além de diminuir o peso do setor no PIB do país. Um comparativo de preços da gasolina e do diesel entre o Brasil e a Noruega pode ser observado no Quadro 2 a seguir.

A capacidade de refino da Noruega é de 340 kbpd, com duas refinarias instaladas no país, sendo a maior delas da Equinor (230 kbpd) e outra da Exxon (110 kbpd), o que lhes garante um excedente de capacidade de 60% acima do consumo. As duas refinarias atendem o consumo interno e operam como exportadoras líquidas de derivados no país.

O Brasil
O gigante da América do Sul, uma democracia republicana, possui uma população aproximada de 210 milhões de habitantes, a primeira grande diferença entre os países anteriormente citados. A população brasileira é 6 vezes maior do que a saudita e 42 vezes maior do que a norueguesa. A regulação do mercado de O&G no país difere também dos demais países utilizados na comparação.

A Petrobras exerceu o monopólio das atividades de exploração, produção e refino no Brasil de 1953 a 1997, quando a legislação mudou no sentido de abertura do mercado, através da Lei 9.478/97 que ficou conhecida como “Lei do Petróleo”.

Em 1997, a produção de petróleo da Petrobras atendia a 50% das necessidades do país, sendo a outra metade importada. O Brasil só passou a produzir volumes de petróleo superiores ao consumo a partir de 2006 e somente nos últimos anos é que as exportações do “ouro negro” brasileiro começaram a ganhar relevância.

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As reservas de petróleo brasileiras provadas são de 12,7 bilhões de barris (sem contar com as reservas do pré-sal cujas estimativas conservadoras apontam para no mínimo três vezes este valor), ainda assim estamos muito longe dos sauditas.

A produção média de petróleo brasileira de 2015 a 2019 foi de 2,7 milhões de barris por dia (bpd), enquanto o consumo se situou em 2,4 milhões de bpd no mesmo período (consumo per capta de 4,2 barris). Estes números nos permitem inferir que a produção de petróleo no Brasil esteve muito próxima do consumo.

Não fossem os biocombustíveis, etanol e biodiesel, seríamos, inclusive, deficitários em volume de óleo equivalente.

Outro fator a ser considerado é que hoje parte significativa do petróleo produzido no Brasil é realizado por empresas privadas. Em 2019, por exemplo, a Petrobras foi responsável por 74% do petróleo produzido no país, enquanto 26% foi de outros concessionários.

Considerando apenas a parcela produzida pela Petrobras nos últimos cinco anos, o volume produzido pela estatal foi levemente inferior ao consumido no país, isto é, a parcela da estatal sozinha não garantiria a autossuficiência volumétrica ao país, embora tenha importância relevante neste feito (ver gráfico 1).

De forma complementar, ao analisarmos o parque de refino brasileiro, observa-se que a capacidade instalada, da ordem de 2,2 milhões de bpd, é menor do que o consumo de derivados verificado no país nos últimos cinco anos. Como não há excedente de refino, o Brasil é hoje importador líquido de derivados.

A autossuficiência em derivados é bem mais complicada de se conseguir, pois demanda excedente de capacidade de refino, como o existente na Noruega, por exemplo, o que exige investimentos para aumentar a produção de derivados leves e para o escoamento intrarregional.

Isso tudo a preços que viabilizem tal ampliação da oferta interna de derivados, isto é, a preços de paridade de importação.

Em busca de um rumo
Os dados aqui apresentados deixam claro que o mercado de O&G no Brasil é muito diferente do da Arábia Saudita e da Noruega, em diversos aspectos. Regulação de mercado, tamanho das populações, produção, consumo e da taxação sobre petróleo e derivados, que regem distintamente cada nação.

Uma população seis vezes menor do que a brasileira, em um mercado fechado e abundância de petróleo, produzido a baixo custo, permite aos sauditas um subsídio nos preços dos combustíveis.

Isso leva os árabes a serem “esbanjadores” da commodity, com um consumo per capta de petróleo quase dez vezes superior ao brasileiro, o que os torna também grandes emissores de gases de efeito estufa.

Já a Noruega, com uma população pequena e com grande excedente de óleo comparado ao seu consumo, optou por taxar fortemente a produção de petróleo, gasolina e diesel, utilizando os recursos como poupança para as gerações futuras.

No Brasil, a partir das descobertas do pré-sal é que se vislumbrou a autossuficiência em petróleo, algo conquistado na Noruega há 45 anos e há mais de 60 na Arábia Saudita.

Muitos imaginam que a Petrobras deveria ser instrumento do Estado na precificação dos combustíveis, como fora durante o monopólio legal, a exemplo da estatal árabe Saudi Aramco.

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O discurso esbarra em questões legais, uma vez que nosso mercado é aberto e conta hoje com dezenas de outros produtores independentes, além do volume de petróleo da estatal brasileira ser insuficiente para bancar qualquer benesse significativa como a que ocorre nas arábias.

O modelo de partilha de produção no Brasil, utilizado nos leilões das áreas do pré-sal, buscou espelhar-se no modelo norueguês, cuja estatal Equinor teve papel importante no desenvolvimento do setor de O&G no Mar do Norte.

Na Noruega, contudo, a estatal sempre esteve orientada às condições de mercado em relação aos investimentos e governança corporativa, com visão de gerar riquezas a longo prazo. Por lá, o modelo foi um sucesso, um case bastante estudado por profissionais da indústria de O&G. No Brasil, o desfecho foi diferente do imaginado.

Os números deixam claro que as condições que o Brasil dispõe para oferecer vantagens, leia-se subsídios, aos preços dos combustíveis são limitadas, assim como para fazer poupança de longo prazo a partir das receitas do petróleo.

Neste sentido, não se tem a “bonança” dos sauditas nem as condições da Noruega. Em relação aos preços dos combustíveis, é preciso trilhar um caminho próprio, voltado às particularidades do país, que converse com as potencialidades em bioenergia, inclusive.

A “dupla personalidade” do Brasil Arábia-Noruega tem reduzido a potencial geração de valor dos ativos de energia no país, atrasando a tão almejada prosperidade que as riquezas naturais podem oferecer. Entre o sol escaldante das areias do oriente médio e as águas geladas da península escandinava, o Brasil precisa encontrar o seu rumo.

REFERÊNCIAS

BP Statistical Review of World Energy June 2020. Disponível em: <https://www.bp.com/en/global/corporate/energy-economics/statistical-review-of-world-energy.html>. Acessado em fevereiro de 2020.

(ANP) Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis. Dados estatísticos. Disponível em: <https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/dados-estatisticos#>. Acessado em fevereiro de 2021.

PETROBRAS. Central de Resultados. Relatório de produção e vendas 2019. Disponível em: <https://www.investidorpetrobras.com.br/resultados-e-comunicados/central-de-resultados/>. Acessado em fevereiro de 2021.

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Fonte: EP BR